
Almodóvar apresenta um melodrama envolvente sobre memória e família
Lançado oficialmente no dia 1 de setembro de 2021, no septuagésimo oitavo Festival Internacional de Cinema de Veneza, Mães Paralelas traz a história de Janis (Penélope Cruz) e Ana (Milena Smit), duas mães solteiras que dividem o mesmo quarto de hospital e depois do nascimento de suas filhas seus futuros se entrelaçam de uma forma inesperada.
É perceptível na vasta obra de Almodóvar o seu interesse e admiração pelas diversas facetas das mulheres, principalmente o seu lado materno. O diretor assim, traz a questão da maternidade em seu novo filme como forma de resistência, não só a maternidade mas a família como um todo. A mesma é mostrada por fotografias digitalizadas e por lembranças dos remanescentes do início de uma ditadura sangrenta.
Almodóvar com esses registros e relatos consegue transparecer com sensibilidade a angústia vivida por todos esses personagens durante anos. A fotógrafa Janis, um dos galhos dessa árvore genealógica, é responsável por trazer o antropólogo forense Arturo (Israel Elejalde) e sua equipe para a escavação e resgate tardio de todos aqueles que não tiveram um enterro digno. É visível na personagem vivida por Penélope Cruz a dedicação com o passado e seu profundo descontentamento com esse apagamento histórico.
Janis se torna mãe e possui como contraste a personagem Ana, uma jovem que inicialmente rejeitava a maternidade e que possui uma extrema insegurança. A relação das duas ocorre na mise-en-scène inconfundível de Almodóvar que utiliza de diversos tons de vermelhos e outras cores vibrantes, algo que já se tornou característica marcante das obras do espanhol. O diretor não apresenta uma montagem e planos diferenciados como em seus trabalhos anteriores, porém o mesmo consegue conduzir a trama através de suas personagens com presenças marcantes que geram momentos afetivos e combativos.
A atmosfera Almodóvariana não perde o fôlego, o domínio do diretor em relação ao espaço e posicionamento dos personagens é impressionante. O que conduz a trama de forma envolvente é a ênfase constante na expressões das personagens, reações e aflições interpretadas com uma dramaticidade categórica.
A dicotomia das mães pode ser delineada principalmente através da posição política das mesmas. Ana não possui nenhuma ligação com os massacres que ocorreram durante a guerra civil espanhola, esse desinteresse que foi herdado de sua família é algo que vai totalmente contra os pensamentos de Janis que é totalmente militante. Almodóvar questiona esse desinteresse político da burguesia de uma forma interessante, pois mostra como uma herança apolítica também se torna um posicionamento.
Com eficiência, o diretor consegue construir a relação entre essas duas personagens e o resto do elenco de uma forma espontânea, misturando a política e a maternidade em uma trama que em pequenos detalhes se mostra extremamente atual, e trazendo um final reflexivo.
Em um dos filmes mais importantes do ano passado, Almodóvar mostra com cenas significativas a importância da memória para o presente e futuro, trazendo pessoas dispostas a lutar em uma guerra que ainda não acabou em uma Espanha que não é mais dominada pelo medo e repressão.
Mães Paralelas já está em exibição nos cinemas brasileiros e também foi lançado na última sexta-feira (18) pela Netflix.
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